A nossa primeira crise, digo crise, não discussão, porque não houve gritaria nem troca de insultos. Apenas suspiros resignados, silêncios incómodos, meias palavras e só depois o esclarecimento da conversa mal acabada, comigo a chorar baixinho, enquanto conseguia e o escuro me deixava incógnita, até os soluços se apoderarem de mim e as fungadelas conseguirem ser ouvidas pelos vizinhos do lado. Posso dizer que foi a primeira vez que deixei que me vissem chorar a sério, sem que fossem umas lagrimazinhas a correr pela cara-a-baixo. Isto foi choro com banda sonora, choro a sério com sentimento, lavava a angústia que sentira na hora anterior, o medo que me deixou de olhos abertos sem conseguir dormir até ter aquilo resolvido. Era uma parvoíce, pensava eu, não podia estar a falar a sério, mas então porque é que está deitado a meio metro de mim? Porque é que não fala? Ainda há meia hora estávamos felizes e contentes da vida, como é que isto foi acontecer? O que é que eu disse? Mas será que não percebeu que estava a brincar? E ele, estaria a falar a sério? Não pode. Vá lá, abraça-me. Abraça-me! Um beijinho no ombro, o que quer que seja! E nada. Até que consegui trocar algumas palavras com ele. A muito custo. O diálogo estava todo na minha cabeça, mas não saía. Dessem-me um papel e uma caneta e escreveria tudo o que queria dizer, mas a minha boca estava muda. E depois percebi tudo. E então chorei. Agarrei-me a ele como se me agarrasse à vida e chorei de alívio até ao cansaço extremo. Deixei que me confortasse. Sem dizer nada, no silêncio da noite até adormecer.