Dei por mim a ler o “Diário da tua ausência” da Margarida Rebelo Pinto. Era dos poucos livros que tinha comigo ainda por ler, o resto está em Lisboa. Foi uma prenda de anos da minha tia e aguardava na prateleira que pegasse nele. Ia pegar, gosto de apreciar as prendas que me dão. Nunca devolvo nada, nem troco, mesmo que não seja do meu agrado à primeira vista. Se mo deram, se perderam tempo a escolher algo para mim, então faço um esforço para gostar.
Então, depois do Paul Auster saltei para a Margarida R. Pinto. Comecei a ler e pensei “letras grandes, devo lê-lo todo hoje”. Depois comecei a reconhecer-me no que lia. Também eu não sabia viver sem amor.
“Tento ocupar-me com tudo o que a vida me vai dando, mas há dias em que o vazio é mais forte, em que as palavras não me saem dos dedos para me acompanharem na solidão do meu trabalho, e no qual só elas me podem acompanhar. Há dias em que me sinto cansada, vazia, esgotada, sem nada para dar. Nesses dias, enrosco-me numa manta como um bicho, desligo o computador e vejo televisão, tentando alhear-me da minha tristeza, esperando que o dia seguinte me traga a energia que preciso para trabalhar.”
Ela escreveu isto, mas esta sou eu. Só acrescentava que também esperava que o dia seguinte me trouxesse um encantamento, um amor.
Chego a meio do livro e faço uma pausa. O meu pai está a pedir explicações de inglês e de repente sinto-me irritada, expulsa do meu transe, de me estar a ler escrita por outra pessoa. Ou será que as mulheres são todas assim?
Fecho o livro e fico com a fotografia da Margarida virada para mim. Observo os folhos da camisa branca, imagino a sessão de fotografias até chegar àquele olhar meio doce, meio desiludido, meio cínico, meio alerta e só depois me digno a ler o texto que está ao lado. E leio-te a ti na primeira frase. De repente sinto-te perto de mim de novo. Se ela escreveu “quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa”, tu perguntaste-me se já tinha reparado que as pessoas que gostam uma da outra têm sempre tempo. Se ela continua com “e se ela não vem ter connosco, nós esperamos”, Tu dizias que gostavas que eu tivesse mais tempo para ti. Lembras-te disto? Que estranho que as coisas se tivessem invertido. Quem virou o mundo de cabeça para baixo? Eu? Tu?