segunda-feira, 12 de abril de 2010

Tudo para último


Quanto mais tempo livre se tem, menos se faz. Haverá alguma outra coisa tão certa? No trabalho em voos maiores é sempre a mesma conversa. Faz-se o serviço ao passageiro, fica tudo satisfeito com a comidinha e a bebidinha. Recolhe-se o lixo e depois é o pôr as pernas para cima. Afinal ainda falta um par de horas para aterrar. É tempo para comer um bolo que sobrou, uma bolachinha com queijo, ler uma revista cor-de-rosa, ler as cusquices e as desgraças no Correio da Manhã, fazer um sudoku e umas palavras cruzadas. Depois vai um iogurte, uma barra de cereais. Olha um arroz doce com tão bom aspecto. Nham! Tudo para o bucho! Depois admiram-se quando os quilos começam a aumentar na balança. Olha, vou lá à frente conversar um bocadinho, dizer mal da companhia que me põe a comida na mesa, ou dos senhores passageiros que conseguem ser ou muito burros ou mal educados. É raro falar-se dos simpáticos, dos velhinhos catitas. Olha, o sinal de cintos ligou. Estamos a descer. E começa a correria. Arrumar a cozinha, preencher a papelada. Olha estamos quase a aterrar e ainda ninguém despejou o café. E as cervejas que ficaram no gelo? Ninguém arruma. Senta, senta. O trem já saiu.
Isto tudo para dizer que fica tudo sempre para último. Não há volta a dar. Como dizia a minha prima hoje: Para quê planear um casamento com mais de um ano de antecedência, se há coisas que estou a deixar para último? É para sentir a adrenalina, é? Como nas vésperas de entregar trabalhos na escola que ainda nem se começaram. Será que gosto de ver os meus cabelos a ficarem brancos ou a caírem com as preocupações inúteis?
E agora estou de férias. Duas semanas. Na primeira tenho de pôr a farda na lavandaria, as calças do meu dono e senhor na costureira, ir ao banco fazer um depósito, ir ao outro banco tratar de um cartão avariado, trocar uns lençóis que comprei pequenos demais, ir ver alianças, ligar para a pastelaria que vai fazer o bolo do casório para saber se dá para lá ir provar umas amostras, ir buscar a roupa à lavandaria e pôr as minhas calças da farda na costureira. Que mais? Que mais? Ah, falar com o padre! E o que é que fiz hoje? Um dia inteirinho que dava para arrumar mais de metade das tarefas? Pois, olhem, almocei com a afilhada que fazia anos, fui ao café, fui arranjar as unhas e marcar a depilação, engonhei à frente do computador, fui ver a família à fábrica, fui lanchar à pastelaria. E fui ao banco fazer o depósito! Uma coisa que posso riscar da lista. Só sobram as outras todas...

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