Eu? Aquela que andava pelo supermercado do El Corte Inglês, de mão dada a um rapaz que carregava o cesto e procurava os ingredientes para o jantar daquela noite? Eu? Aquela que, quando paravam junto à prateleira dos vinagres, encostava a cabeça no ombro dele e esperava que dissesse que já faltava pouco para irmos para casa? Eu, essa? A que mal chegou a casa se foi enfiar na cama porque já não se aguentava nas pernas de tão doente e o deixou andar por lá a cozinhar e a tomar conta dela a noite toda, sem medo que a visse naquele estado deplorável, febril, despenteada, olheirenta, entupida, a tossir as tripas para fora de 5 em 5 minutos, com sangue a escorrer pelo nariz, a quase vomitar o jantar que ele fez, a tocar trombone cada vez que se assoava ou tentava respirar pelo nariz? Essa não sou eu, não. É a outra. A que aparece de vez em quando e até acha que aquilo está muito bem e muito certo, como deve ser. É isto que merece. É a doente, que não podia estar sem atenção durante mais de cinco minutos. É a que gosta de o ter por perto porque até dá jeito, porque ele até faz o que ela pede, porque até a faz rir e lhe faz festinhas no cabelo até adormecer. É a que lhe pede para faltar ao trabalho na hora em que tem de se levantar para ir embora. É diferente da que acorda no dia seguinte com uma mensagem dele, a pedir que não vá passar o fim de semana fora, que fique com ele, e pensa “ai a minha vida! Isto assim não pode ser. Tenho de ter tempo para mim caramba.” Diferente da que começa a sentir-se sufocada, pouco à vontade. Da que quer fugir e não sabe para onde. Da que não o merece, que só lhe vai trazer dissabores, discussões mudas. A P que eu sou anda perdida pelo meio. Sem rumo, a ver o que o destino lhe trás, sem levantar ondas, escondida atrás dos óculos de sol e de coisas para fazer. Anda a adaptar-se à novidade.
Beijoooo
Bjinhos...
* Clarice Lispector, em Se eu fosse eu.
bjs, feliz d+ pelos recentes acontecimentos.